A Fundação Irene Rolo viu crescer o número de pedidos de ajuda devido à pandemia do novo Coronavírus. A Instituição de Tavira criou dois projectos que, em dois meses, responderam a centenas de pessoas do concelho.
Há muitos anos que a Fundação Irene Rolo (FIR), através do Programa Operacional de Apoio a Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC), financiado pela Segurança Social, ajuda todos os meses em Tavira, 21 agregados familiares, cerca de 59 pessoas. Com o decretar do estado de Emergência e o layoff forçado de muitos trabalhadores, os pedidos de ajuda dispararam ao ponto de esta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) ter de procurar alternativas para responder.
«Os agregados familiares ficaram com rendimentos reduzidos e muitas pessoas perderam o emprego. Muitas têm falta de alimentos e produtos de higiene e limpeza. Como entidade responsável, em termos sociais, que há muito ajuda a comunidade, sabemos e temos sinalizadas as famílias mais carenciadas. Com a pandemia, contudo, vimos crescer a nossa lista. Quisemos portanto chegar a quem tem dificuldade em pedir, por nunca se ter visto nessa situação, ou por alguma vergonha. Há idosos que, ou compram medicação, ou se alimentam. Há pais que não têm comida para dar aos filhos. Isso é terrível. Enquanto seres humanos temos de pensar que um dia podemos ser nós a precisar e ir à procura de ajuda», explica ao barlavento Carla Pires, presidente do concelho de administração da IPSS.
Um primeiro passo foi a criação de uma caixa solidária nas instalações, para quem quisesse doar produtos alimentares. Nasceu assim a «Missão Coração», dirigida apenas ao município de Tavira. Uma ideia que começou por parte de um grupo de voluntários franceses residentes no Algarve que começou por deixar os alimentos.
«O projecto surge daí. Lançámos um apelo e já conseguimos entregar vários cabazes com massas, detergentes, produtos de higiene pessoal, tudo o que se gasta no quotidiano numa casa de família. As necessidades são cada vez maiores porque a retoma da economia será lenta. A fome vai ser mais que muita e terá tendência a agravar-se. Temos de chegar àqueles que precisam neste momento. Esta é a nossa missão enquanto entidade do sector social», considera.
Em menos de um mês, foram entregues 25 cabazes. Um número ainda baixo para a procura. «As pessoas têm deixado alguns artigos, mas não o suficiente para as necessidades. Há dias acolhemos uma senhora desesperada. Demos-lhe tudo o que tínhamos. A questão é que temos de chegar a estas pessoas que têm vergonha de pedir porque não têm qualquer apoio e que passam grandes dificuldades», apela.
Segundo a responsável, a urgência passa por «agregados que já tinham dificuldades, mas também por recém-desempregados, estrangeiros que perderam os rendimentos e mães que têm de ficar em casa a tomar conta dos filhos. Estes são os casos mais problemáticos e há muitas famílias com crianças» a cargo, em que só um elemento pode trabalhar.
Como a questão da privacidade é fulcral, a FIR disponibiliza uma linha telefónica anónima (281324800). Quem precisar de ajuda, basta pedir para falar com a técnica Patrícia Pires. Por outro lado, quem quiser doar produtos, só tem de se dirigir à sede e colocar os mesmos na caixa que se encontra na recepção.
Carla Pires antevê que a «Missão Coração» continue por mais dois ou três meses, pelo menos «até que a economia se reestabeleça».
No improvável caso de haver excedentes de donativos, nada se perderá, porque a instituição continuará a dinamizar o POAPMC ao longo do ano.
União de chefs fez a força
À Fundação Irene Rolo juntaram-se três chefs de cozinha, do concelho de Tavira, de forma a garantir duas refeições quentes, três vezes por semana, às pessoas sinalizadas e a quem acabou por também pedir ajuda depois de ter visto os rendimentos encolher.
Hagmit Almeida, do restaurante «Polvo e Companhia»; Luís Brito do «A Ver Tavira» e João Dias do «À Mesa» são os profissionais por trás da iniciativa «Chef à Porta», que iniciou em Abril e acabará no final deste mês.
De acordo com o chef Almeida, a trabalhar na cozinha desde 2006, esta «foi uma iniciativa que criámos para colmatar a crise face à pandemia da COVID-19. Entre os três decidimos que o dinheiro que fizéssemos com as refeições que servimos em take-away, seria para ajudar as pessoas que mais necessitavam. Daí fizemos o convite à FIR e arrancámos».
Assim, às Segundas, Quartas e Sextas-feiras, os três chefs juntaram-se no restaurante «Polvo e Companhia» para confeccionar cerca de 150 refeições. Um almoço e um jantar por pessoa com sopa, um prato de carne, um de massa e às vezes até sobremesa.
Apesar de as pessoas estarem informadas, através de publicações nas redes sociais, que ao encomendarem refeições a cada um dos três chefs estariam a ajudar o próximo, a adesão do público não foi a esperada.
«As pessoas estavam receosas e não havia confiança. A maior parte dos pedidos que tínhamos era por parte de um pequeno grupo de estrangeiros que ouviu falar de nós e comprava uma vez ou outra. Havia dias que não vendíamos nada e foi complicado», lamenta Almeida.
No entanto, nenhuma das refeições solidárias deixou de ser entregue e isso deveu-se ao apoio da Câmara Municipal de Tavira, do Crédito Agrícola de Tavira e a doações de empresas privadas como a Aviludo e a Palma & Palma. Com o projeto prestes a terminar, e os três restaurantes já a funcionar, Almeida faz contas: «chegámos a ter cerca de 80 famílias.
Neste momento, o número já tem vindo a diminuir porque já há algum retorno das pessoas aos seus empregos».
A presidente da FIR acrescenta: «em dois meses, entregámos cerca de 3600 refeições. Todas estas iniciativas são de louvar, assim como a grande intervenção da autarquia. O município está bem organizado e sempre disponível para tudo. Tem-nos ajudado muito e só com estas parcerias é que conseguimos ir mais além».
O chef concorda, até porque já colabora com a FIR há vários anos e a solidariedade já faz parte do seu modus operandi.
«Desde 2015, quando abri o restaurante, que ajudo a instituição, os formadores e os formandos. Sempre que têm pessoas que precisam de trabalhar ou em necessidades, nós damos trabalho. Se todos conseguirmos tornar as ações solidárias um hábito, se calhar, já não existiria tanta carência como ainda há hoje».
Residentes estrangeiros mobilizados para ajudar
Há um grupo solidário no Facebook com um nome em inglês: Algarve Network for Families in Need. É um coletivo que soma 3300 membros, a maioria residentes estrangeiros na região.
Surgiu muito antes da pandemia da COVID-19, mas desde então, viu aumentar os pedidos de ajuda de forma abrupta.
Ouvida pelo barlavento, Bernadette Abbott, residente em Odiáxere, concelho de Lagos, e uma das coordenadoras explica que «no Algarve há muitas pessoas que não têm capacidade financeira para adquirir os bens que muitos de nós damos como garantidos.
Com esta crise, o nosso foco principal foi garantir alimentos a quem não tinha, ou não tem maneira de os comprar».
E com o decretar do estado de Emergência, «no início, eu não tinha ideia de que o problema seria tão amplo. Foi mesmo necessário criar uma resposta rápida para as centenas de pessoas que estavam numa situação de não terem nem dinheiro, nem comida».
Até à data, os voluntários e beneméritos já conseguiram ajudar 4500 pessoas. Além disso «estamos a levar comida a 1340 pessoas, por semana, entre Aljezur e Faro. A nós juntou-se ainda um grupo paralelo [East Algarve Families in Need] que tem distribuído géneros entre Vila Real de Santo António, Tavira e até São Brás de Alportel.
Desde dia 28 de Março que já deram comida a quase 3000 pessoas, sendo que agora estão a alimentar 100 famílias por semana. Há também um outro grupo [East Algarve Walking Football Club] que está a apoiar famílias em Olhão. Tudo através de voluntariado», contabiliza Abbott.
«Acreditamos que ninguém deveria passar fome e que não há justificação para que isso aconteça em nenhum país da Europa Ocidental. Sabemos que não conseguimos chegar a todos, mas vamos chegar a todos os que conseguirmos», garante.
Créditos da Notícia: barlavento