A DGS lançou as regras para a reabertura dos restaurantes, mas muitos cozinheiros e donos destes espaços acham que é cedo para abrir: temem novos focos e falta público que pague as contas.
O dia 18 de Maio está marcado como a data para reabertura de restaurantes desde o fim do mês de Abril e a 8 de Maio a Direcção Geral da Saúde publicou os procedimentos em estabelecimentos de restauração e bebidas. As muito antecipadas regras — que definem para alguns a capacidade de abrir já ou não — já são conhecidas mas falta o essencial: a confiança para abrir — dos trabalhadores e dos clientes. Os restauradores dividem-se, muitos não vão abrir já.
As regras andam à volta do que era esperado pela restauração e do que foi proposto ao Governo pela ARHESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal): reforço das normas de higiene e segurança que já existiam nos restaurantes (desinfecção de maçanetas, corrimãos e lavatórios seis vezes por dia, desinfecção de terminais e multibanco e de menus a cada manuseamento), troca de toalhas de mesa depois de cada cliente, talheres de pratos postos na mesa na presença do cliente, desinfecção das mãos dos clientes à entrada e saída, máscaras no contacto com os clientes e dois metros de distância entre mesas.
Alexandre Silva até ficou surpreendido pelo rigor e intensificação da higiene exigida pelo mais recente documento da DGS. O chef com uma estrela Michelin no restaurante Loco, Lisboa, é também dono de restaurantes como o Fogo, ou o balcão com o seu nome no Mercado da Ribeira. Ao todo são 70 empregados, todos em lay-off — é por causa deles (e antecipando os poucos clientes) que não vai abrir em Maio; espera poder fazê-lo em Junho.
Ainda é cedo para abrir
"De que vale termos de limpar as casas de banho seis vezes por dia se basta um cliente infectado ir à casa de banho? Não faz sentido ter uma sala em que os clientes estão separados, toda a gente tem de usar máscara e toda a gente está preocupada com o restaurante ser um foco de infecção", diz.
O sector divide-se: há empresários e cozinheiros desejosos de abrir as portas, como Justa Nobre, que espera abrir o Nobre, em Lisboa, ainda este mês. Há no entanto muitos que acham ser precipitado — o grupo Avillez, do chef José Avillez, é dos que não planeia abrir nenhum dos seus espaços em Maio.
Abrir os restaurantes com a norma de dois metros de separação entre as mesas pode não gerar clientes que justifiquem os custos da abertura de muitos negócios. No Loco teria pouco mais de um par de lugares, diz Alexandre.
Também Jorge Marques terá uma redução significativa no número de lugares no Faz Frio — o restaurante histórico lisboeta que reabriu há menos de dois anos de cara lavada. Dos 47 lugares que mantinha, não vai chegar a 20 e vai perder os lugares ao balcão, desaconselhados pelo documento da DGS. A sua ideia é, pelas mesmas razões, só abrir em Junho, "para tentarmos sobreviver, ver mais tarde como está a confiança das pessoas. A abertura tem de reflectir-se nas vendas", diz Jorge.
Os seus 10 empregados estão em lay-off, só um deles vai duas vezes por semana ao restaurante para despachar encomendas que entregam em casa ou em take away. "Estou preocupado com a segurança deles", diz, " estou a pensar fazer duas equipas — uma ao almoço, outra ao jantar — que nunca se cruzam para reduzir o risco".
A vida dos trabalhadores e dos clientes do Faz Frio avista novas rotinas. Nunca tinham trabalhado com reservas e vão agora passar a fazê-lo — é um dos conselhos da DGS; os copos que os clientes bebiam de pé, enquanto esperavam, no interior da casa acabaram; vão perder turistas que "davam uma certa segurança". O que não muda grande coisa é a higiene. "Quem trabalha neste sector e o faz bem cumpre com muitas normas de segurança e higiene no trabalho. É continuar o que já tínhamos e reforçar", diz.
No Porto, Sérgio Campas, empresário responsável pelas Cervejarias Brasão, admite que grande parte das medidas anunciadas pela DGS já estavam a ser implementadas e pensadas pelo seu grupo. "Algumas inclusivamente acima do anunciado", avança, dando como exemplo a dinâmica de serviço a serviço que será privilegiada na cervejaria dos Aliados, para já o único estabelecimento do grupo a abrir portas no dia 18. "Tendo uma ocupação do restaurante mais reduzida, a operação pode ser feita peça a peça. Ou seja, num serviço regular teríamos por exemplo uma bandeja com os talheres que seriam todos postos na mesa, agora não. Vamos tentar que os talheres, os pratos, os guardanapos – que passam a ser descartáveis e não de pano – estejam expostos o mínimo tempo possível ao ar." Para isso, o grupo Brasão reajustou a área de arrumação, "que agora é maior, com armários em altura".
Apesar de todos os ajustes e da aplicação das medidas anunciadas pela DGS, Sérgio é contido a projectar a reacção do mercado à reabertura dos restaurantes. "Acredito que mesmo com 50% de lotação da sala, a procura será abaixo disso." Quanto ao take away, que apesar de estar a correr bem enquanto operação isolada, representa apenas um encaixe "dez vezes abaixo da facturação habitual do grupo", será mantido a partir da cozinha central e do restaurante da Foz.
O take away é um caminho?
Se negócios como o fine dining de Alexandre Silva não podiam ser replicados em take away, outros viram aí uma oportunidade de negócio para o futuro, como Antonio Mezzero: "No Porto, atingi com o take away o mesmo número de pessoas comparativamente aos dias em que tinha casa cheia com fila à porta." E se a facturação ainda assim é menor, Mezzero é optimista quanto à perspectiva de reabertura do restaurante: "Vou ter apenas 50% dos lugares da casa, mas os outros 50% podem ser compensados com o take away."
Já em Lisboa, onde abriu o seu restaurante no início do ano, o cenário é mais contido, "lá o mercado é diferente, não tenho o nome que tenho no Porto, mas não podia ter a casa parada". Por isso resolveu iniciar a operação de take-away a 6 de Maio para preparar a reabertura do restaurante que, antes da pandemia, garante que estava sempre cheio.
Relativamente às medidas de segurança e higienização, o pizzaiolo é peremptório: "Isso para nós não é uma novidade. Nas minhas pizzarias a cozinha é aberta e o cliente vê como é que nós trabalhamos. Agora é só reajustar". Trabalhar com máscara não é, portanto, um problema para alguém que mais do que se ver como empresário, se reconhece como artesão. "Eu sou um profissional que não trabalha por business, mas por paixão. Eu vou fazer pizzas até morrer, agora se é com máscara, com chapéu, pouco importa, eu vou-me adaptando."
Para Vasco Mourão, responsável do grupo Cafeína, o take away será o primeiro passo para o relançamento dos seus restaurantes. "O take away iniciar-se-á sempre uma semana antes da abertura do restaurante", afirma, anunciado o Portarossa como o primeiro espaço a abrir neste regime, no dia 25 de maio. A seguir às pizzas de massa fina, seguir-se-á o sushi do Terra, no final de Junho, "e depois tudo depende de como as coisas correrem", diz com realismo. "Não faço ideia se as pessoas vão demorar ou não a ganhar confiança para irem almoçar ou jantar fora. Isto terá que ser um dia de cada vez".
Sobre as medidas anunciadas pela DGS, Vasco Mourão admite algumas dúvidas, nomeadamente na separação das mesas: "No caso de eu colocar uma barreira física transparentes entre as mesas, continua a ser exigida a distância de dois metros?", questiona, deixando claro que todas as outras medidas de higiene e segurança são perfeitamente compreensíveis. "Agora vamos ter que ter algum tempo para as implementar".
Onde fica a experiência do restaurante?
Em Guimarães, António Loureiro espera abrir A Cozinha, restaurante com uma estrela Michelin, em Maio. Ainda não fez contas à lotação da sala mas sabe que se os dois metros significarem perder mais de 50% da lotação, não há forma de fazer face aos custos.
A sua preocupação agora, além dessa, é a experiência gastronómica — a combinação entre produto, cozinha, serviço e ambiente, que apaixona os amantes do fine dining. "Temos de ganhar a confiança dos clientes, mas não dramatizar demasiado esta situação, não pode ser mais preceptível ao cliente o Covid-19 do que a experiência gastronómica. Queremos que a segurança seja visível, mas queremos a mesma qualidade no serviço e produto e no próprio glamour da experiência", resume António Loureiro.
Não é só num restaurante gastronómico que se fala de experiência à mesa. E que o diga Vasco Rodrigues, dono do Júlio dos Caracóis, em Marvila, o restaurante especialista na iguaria de verão e que por esta altura ficava com cerca de 30 empregados, o dobro dos empregados do Inverno, agora em lay-off. O seu espaço sentava 380 pessoas, com as normas dos dois metros entre talvez leve 100. É a tal experiência — uma refeição descontraída com muita gente e sem preocupações — que o fazia facturar em imperiais, pão torrado com manteiga, e tudo o que vinha juntar-se aos caracóis para compor a mesa.
"Não ganho dinheiro com caracóis para fora porque a pessoa enquanto está a comer é que lhe está a apetecer mais uma cerveja, mais um pão torrado. Estou a fazer o meu melhor para abrir dia 18", conta.
As mensagens que tem recebido nas redes sociais dizem-lhe que os clientes habituais estão desejosos de voltar. Mas vão encontrar uma casa diferente: vai tirar as toalhas de pano e ficar só com as tolhas de papel descartáveis e durante o tempo que esteve fechado veio investindo em acrílicos para o balcão, máscaras, luvas e álcool — um stock que vai terminar rapidamente porque, diz Vasco Rodrigues, "quando a empresa é grande, as despesas são medonhas". As linhas de crédito tardam
Para Alexandre Silva, o problema da restauração não fica resolvido com a publicação das normas há muito antecipadas — há empresas que não vão abrir por não terem recebido das linhas de crédito, diz. "Não é isto que vai salvar o que quer que seja — as empresas, a economia. É impossível subsistir com 50 de ocupação... há que ler nas entrelinhas: há o custo do material [de higienização e protecção], o das empresas que dão apoio de HACCP [higiene e segurança na restauração]. As linhas de apoio que foram anunciadas têm de ser desbloqueadas, ainda ninguém recebeu", conta o cozinheiro e empresário que recorreu a essas linhas em Março e ainda não obteve uma resposta, nem apoio.
"O que peço ao governo é que obriguem as empresas de garantia mútua a cumprirem o que prometem. Concorri à linha de apoio em Março e ainda nao recebi — nem sequer me conseguem dizer que vai acontecer. Os sites de garantias mútuas dizem que dão respostas entre dois a cinco dias úteis e ainda nao me disseram nada", conta.
Créditos da Notícia: Sábado