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Salinas Tradicionais em risco com nova lei da Comissão Europeia

Atualizado: 14 de jan. de 2023

Está prestes a ser aprovada na Comissão Europeia uma lei que autorizará qualquer sal a ser biológico!

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Em Tavira, o sal é extraído pelos marnotos, seguindo os métodos tradicionais, que o vão colocando depois nas barachas das marinhas para secar sendo transportado para os armazéns onde ficará abrigado de intempéries ou poeiras, até ser devidamente embalado sem sofrer qualquer tipo de transformação, para que o consumidor obtenha um produto 100% natural (📷: Rui Simeão, Tavira)

Num momento em que a economia azul ganha relevante importância, e em que as salinas tradicionais contribuem sobremaneira para a biodiversidade e armazenamento de carbono azul, está prestes a ser aprovada na Comissão Europeia uma lei que autorizará qualquer produtor de sal, industrial ou de mina, a colocar o selo biológico no seu produto, mesmo não respeitando técnicas de produção do regulamento biológico definidos pela UE 2018/848.


Como poderá então o consumidor saber se o sal que está a consumir respeita realmente os princípios que regiam a produção biológica? Podemos nós consumidores acreditar no selo de biológico dos dias de hoje?


Note-se que o regulamento do Conselho (UE) 2018/848 do Parlamento Europeu de 30 de maio de 2018 define: “A produção biológica é um sistema global de gestão agrícola e produção alimentar que combina as melhores práticas ambientais, um elevado nível de biodiversidade, a preservação dos recursos naturais, a aplicação de altos padrões de bem-estar animal e um método de produção de acordo com a preferência de certos consumidores por produtos produzidos usando substâncias e processos naturais”.


Como podemos permitir, no momento de crise climática que atravessa o mundo, que estas leis sejam ignoradas, flexibilizadas? Em nome de quem? A favor de que interesses? Como podemos permitir que perante uma crise que se anuncia serão mais uma vez os pequenos produtores a fecharem as portas?


O sal industrial usa maquinaria pesada e energia fóssil para a extracção, o sal é higienizado e branqueado artificialmente não preservando os mais de 80 oligoelementos presentes na água do mar e benéficos à saúde humana.


O sal de mina usa a técnica de “moagem contínua” que necessita de energias não renováveis. É sabido que os sistemas de perfuração e extracção de corte criam cavidades e destroem áreas subterrâneas. Técnicas que não são compatíveis com os princípios gerais do regulamento europeu (artigo 5º a): “respeitar os sistemas e ciclos naturais e manter e melhorar as condições do solo (…)”


O que acontecerá ao atribuir-se o rótulo de biológico ao sal marinho tradicional, industrial e sal de mina?

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Segundo arquivos da Biblioteca Municipal), na cidade de Tavira existem vestígios de produção e utilização de sal datados de 4000 a.C. (📷: Rui Simeão, Tavira)

A vantagem competitiva que será dada ao sal industrial e de mina acabará por extinguir o pequeno produtor de sal marinho tradicional. É óbvio que um tipo de produção sazonal, como é o caso do sal tradicional, que respeita os ritmos e características climatéricas e que não usa maquinaria pesada e processos de secagem artificial e higienização, não consegue produzir a mesma quantidade, com a mesma rapidez e consequentemente não consegue praticar os mesmos preços.


Se ambos têm um rótulo de biológico, mas um deles consegue ser mais barato, não será possível para o pequeno produtor sobreviver.


Portanto, para além de estarmos a enganar o consumidor, que estará a comprar um produto “biológico” que vai contra o regulamento biológico definido pela UE 2018/848 (ou seja não biológico), estaremos a comprometer a continuidade do sal marinho tradicional no mercado.


Perdermos o sal marinho tradicional representa perder uma técnica centenária, uma tradição. Ao dizermos adeus aos guardiões destas zonas húmidas, haverá uma redução do capital biológico e diminuição da fixação de carbono cada vez mais necessário para a sobrevivência do homem no planeta.


Apesar de contactados – Agrobio, CPADA – Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente, SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), DECO (Defesa do Consumidor) -, não houve nenhuma resposta e nenhuma pronunciação sobre este assunto.


É triste que um conjunto de pequenos produtores de sal marinho tradicional tenha sido obrigado a unir esforços com o sal industrial para conseguir ter alguma voz perante a Comissão Europeia, unindo-se àqueles que ajudarão à sua própria extinção.


É por isso importante desenvolver uma campanha de sensibilização que possa distinguir os diferentes modos de produção e o seu impacto, de forma a preservar cada vez mais o nosso capital ecológico e cultural.


É importante exigirmos leis justas e coerentes que defendam cada vez mais os interesses do planeta e que permitam uma convivência leal entre os diferentes agentes de mercado. É importante sensibilizar os políticos para que defendam os pequenos produtores e os interesses de todos os portugueses.

Autora: Susana Travassos é psicanalista e cantora (e produtora de sal tradicional)


Créditos do Artigo: Sul Informação


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