As datas de validade dos produtos alimentares não são todas iguais, e saber a diferença ajuda a combater o desperdício – assim como fazer o teste dos sentidos.
Não será excessivo reconhecer nos portugueses uma obsessão por comida. Podem estar a meio de uma refeição com amigos e já falam do cardápio do próximo jantar. No entanto, é impressionante a quantidade de alimentos que deitam fora. Portugal aparece no quarto lugar dos países da União Europeia (UE) com maior desperdício alimentar (1,89 milhões de toneladas) e em primeiro no que diz respeito às famílias, com cada português a ter perdas, em média, de 183,6 kg de alimentos, de acordo com dados de 2020 do Instituto Nacional de Estatística.
A Comissão Europeia estima que 20% dos 88 milhões de toneladas de desperdícios alimentares produzidos anualmente na UE (e 55% são produzidos pelos agregados familiares) estão relacionados com a marcação da data nos produtos alimentares. “Apesar de os consumidores estarem cada vez mais atentos e sensibilizados para as questões da segurança alimentar, ainda persistem algumas dúvidas sobre os diferentes prazos”, aponta Ana Oliveira, da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
Há duas categorias a diferenciar. A “data-limite de consumo” é aplicável aos produtos alimentares microbiologicamente muito perecíveis (carne e peixe fresco, iogurtes, saladas) e que são suscetíveis de, após um curto período, constituir um risco para a saúde. Nestes casos, aparece no rótulo “consumir até…” e é proibida a sua comercialização depois da data mencionada. “Falamos de segurança higienossanitária de alimentos que são propensos ao desenvolvimento microbiano relativamente célere e que têm de ter uma janela pequena em relação ao seu consumo”, explica José Camolas, vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas.
Quanto à “data de durabilidade mínima”, é aplicável aos produtos alimentares pouco perecíveis (massas, arroz, conservas, farinha, açúcar, azeite, óleos, etc.) e corresponde à data até à qual aguentam as suas propriedades, desde que bem conservados. “Em regra, estes períodos não são estabelecidos por via de um diploma legal, cabendo aos operadores do sector alimentar estabelecer, com recurso a testes de estabilidade, uma data recomendada, até à qual se responsabilizam pela segurança do produto”, sublinha Ana Oliveira.
PUXAR PELOS SENTIDOS
Os rótulos referem “consumir de preferência antes de…”, mas não existe proibição de venda após a expiração. Isto desde que o consumidor seja devidamente informado e o vendedor garanta que estes alimentos podem ser consumidos sem qualquer risco para a saúde. “Assegura-se que o produto tem determinadas características de qualidade maximizadas. Se houver consumo fora deste período, há um risco potencial de ocorrerem alterações das propriedades organolépticas (cor, textura, sabor, odor…), que não são riscos higienossanitários”, salienta José Camolas.
Contudo, o nutricionista alerta: “A confusão entre estas datas é só uma parte do problema. Há outros aspectos, como as estratégias de compra, a escolha, a preparação e a conservação, que contribuem para o desperdício.” Não é raro comprar-se ou preparar-se comida para lá daquilo que seria desejável. “Temos de nos virar para a aquisição mais consciente e para as porções mais adequadas. Tem tudo que ver com o planeamento”, acrescenta.
Usar os sentidos é fundamental, sobretudo quando adquirimos um alimento sem prazo de validade e há sinais muito simples. “Se um pão cheira a mofo, ainda que não tenha essa aparência, é capaz de já não estar fresco. Se um peixe tem um cheiro intenso, os olhos encovados, a pele pastosa e as guelras sem aquele vermelho vivo, não está bom”, exemplifica José Camolas. “São saberes de operacionalizar nos nossos contextos de vida, em que vamos de corrida às compras e encontramos uma multiplicidade de estímulos sensoriais. Perdemo-nos nesse processo.”
Em 2016, foi criada a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, com o objectivo de delinear uma estratégia e um plano de acção, aprovados em 2018. Lançaram-se campanhas e guias de boas práticas, entre outras iniciativas. No entanto, o Gabinete Europeu do Ambiente e a organização sem fins lucrativos Feedback EU fizeram um inquérito junto dos governos dos Estados--membros, e Portugal foi um dos quatro que se opuseram a qualquer tipo de objectivos vinculativos para reduzir o desperdício de alimentos, da exploração agrícola à mesa.
A venda de produtos em fim de vida nos supermercados atingiu um novo recorde em 2021: foram comercializadas mais de 24 mil toneladas desses bens.
PIOR DO QUE ANDAR DE AVIÃO
Existem movimentos cívicos como o Unidos Contra o Desperdício, que têm mobilizado empresas, entidades e instituições – veja-se o exemplo dos bancos alimentares, que em 2019 foram responsáveis por evitar que cerca de 17 218 toneladas de alimentos fossem perdidas, reaproveitando-as para alimentar mais de 320 mil pessoas. Não faltam dicas na página de boas práticas de gestão doméstica da associação, como o planeamento das refeições antes de ir ao supermercado, o aproveitamento de restos para outras refeições ou a arrumação do frigorífico para garantir uma melhor conservação.
Há também empresas atentas ao fenómeno, que desenvolveram aplicações para adquirir produtos alimentares a preços mais reduzidos, salvando-os do lixo. É o caso da Too Good to Go, através da qual os consumidores adquirem magic boxes com excedentes de vários estabelecimentos comerciais (cafés, restaurantes, hotéis e supermercados). Coube a esta empresa, inclusive, dar forma à iniciativa Observar, Cheirar, Provar, com o lançamento de um selo (que tem o mesmo nome) para colocar no rótulo dos produtos aderentes, como sinal de que era seguro consumi-los após o prazo – desde que passem, lá está, no teste dos sentidos.
Mesmo a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição refere que a venda de produtos em fim de vida nos supermercados, devidamente sinalizados, atingiu um novo recorde em 2021: foram comercializadas mais de 24 mil toneladas desses bens, que, de outra forma, iriam parar ao lixo (um crescimento de 98% face a 2020). Todos os anos, um terço da produção alimentar é desperdiçada no mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Até 2030, a redução destas perdas para metade foi assumida como meta pela UE, reconhecendo os profundos impactos económicos, sociais e ambientais desta realidade.
Refira-se, por exemplo, que o desperdício alimentar gera três vezes mais emissões de gases com efeito de estufa do que a extracção de petróleo, gera o equivalente a 25% da poluição automóvel e polui quatro vezes mais do que todos os voos da aviação comercial. Salvar o planeta pode começar pelo prato.
DEITAR FORA
A aplicação FoodKeeper dá informações sobre prazos de consumo e armazenamento:
Manteiga
Manter no frigorífico, nas prateleiras mais frias (a de cima ou a do meio). Aberta a embalagem, deve consumir-se em três semanas; se se mantiver fechada, em dois meses; se estiver no congelador, em nove meses.
Ovos
Manter no frigorífico, no cartão original (não na porta). Consumir duas semanas após data de durabilidade mínima. Sinais suspeitos: se flutuar num copo com água, não é seguro; se tiver odor desagradável; no caso de ovos cozidos, se apresentar uma textura fibrosa.
Leite UHT
Manter no frigorífico, na porta, após aberto. Consumir seis meses para além da data de durabilidade mínima. Depois de aberto, beber em sete dias. Sinais suspeitos: pacote inchado; leite coalhado; cheiro ou sabor azedo.
Fiambre
Manter na embalagem, na prateleira intermédia do frigorífico. Por abrir, dura duas semanas; aberto, 3 a 5 dias. Sinais suspeitos: estar acinzentado, esverdeado ou oleoso; ter cheiro forte e desagradável ou sabor amargo.
Créditos da Notícia: Visão